segunda-feira, 31 de março de 2014

Entrevista Exclusiva com Maurício Pontes - A Crise do MH 370


O que é Crise?

   Nos dicionários encontramos a definição como “ataque repentino de doença, período difícil, reação forte; momento perigoso ou difícil de uma evolução ou de um processo; período de desordem acompanhado de busca penosa de uma solução; conflito, tensão”. Já o Federal Bureau of Investigation (FBI), define crise como um evento ou situação crucial, que exige uma resposta especial da Polícia, a fim de assegurar uma solução aceitável. Podemos considerar crise como todo evento sério e negativo de consequências prejudiciais. - Perturbação que altera o curso ordinário das coisas. - Momento perigoso ou decisivo de um negócio.
  De acordo com Lopes (apud FORNI, 2002, p.363), crise é “qualquer coisa negativa que escape ao controle da empresa e ganhe visibilidade”. É um evento ou conjunto de circunstâncias que possam significativamente afetar a habilidade da empresa em conduzir seus negócios normalmente.
   Todas as organizações são vulneráveis às crises, independentemente do tamanho, área de atuação ou origem.


 A Crise em uma empresa de aviação

    No Brasil temos por ano uma média de 92 acidentes aeronáuticos, considerando apenas a aviação civil nos últimos 10 anos. Infelizmente, a média que era de 64 acidentes/ano até 2006, passou para 119 nos últimos cinco anos (até 2012). É importante ressaltar que só no ano de 2012, foram 177 acidentes aéreos e em 2013 foram 163, segundo o CENIPA.      Especialistas da área de segurança de voo afirmam que acontecem cerca de 300 ocorrências antes de um acidente e que este último, vai acontecer, com certeza. Podemos não precisar a data, o horário ou o local, mas com certeza, um acidente ocorrerá. É importante salientar que em 2012 foram registrados 362 incidentes aeronáuticos.
    Uma estrutura bem montada, com a equipe treinada, um manual bem elaborado dentro dos padrões exigidos pelas principais auditorias de qualidade e agências reguladoras, além de processos estabelecidos e definidos no manual, podem gerar uma substancial economia de custos que envolvem tais situações no que se refere a um bem intangível, mas que por sua vez é o mais afetado em situações de crise: a marca, a imagem da empresa. Para muitas empresas um acidente aéreo resulta em encerramento das suas atividades e desaparecimento da marca. Os casos da PAN AM depois de Lockerbie e da Swissair em Halifax são apenas alguns exemplos. O último caso aqui no Brasil foi o da Noar. Isto acontece na aviação regular e, com muito mais rapidez, nas empresas de menor porte da aviação geral e táxi aéreo.
   Na última assembleia da ICAO (International Civil Aviation Organization), foi aprovado o documento 9998, cujo conteúdo é a Política para Assistência às Vítimas e Familiares de Acidentes Aéreos desta Organização, importante documento a ser adotado pelos países membros e será mais um passo para que as vítimas e familiares tenham um tratamento digno em um momento tão sofrido.

(Fontes: Nelson Villa Junior, Wikipédia, Alexandre Caldini, Iara Régia Vital dos Santos - Dados estatísticos da aviação CENIPA e ABAG)


Entrevista

   
     Neste momento acompanhamos estarrecidos a situação do voo MH 370, quando um Boeing 777, considerada uma das aeronaves mais seguras, está desaparecida por tanto tempo, gerando aflição, tristezas, inconformismo aos familiares e ainda, dúvidas e questionamentos em toda a comunidade aeronáutica por todo o mundo. Neste cenário, o blog entrevistou o Gestor de Crises, Agente de Segurança Operacional (investigador de acidentes e incidentes aeronáuticos), Professor na área de segurança operacional, Maurício Pontes. O professor é Piloto de aviões, Formado em Segurança de Voo pelo CENIPA em 1997 (Agente de Segurança Operacional), Bacharel em Direito pela Universidade Cândido Mendes em 1996,  Pós-graduado em Marketing pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em 1997 e Pós-graduado em Business Administration (CBA) pelo InsPer São Paulo em 2008 .

Dentre as suas especializações, destacamos:

  • Direito Aeroespacial – pela Associação Brasileira de Direito Aeronáutico e Espacial (SBDA) e pela Associação de Advogados de São Paulo (AASP)
  •  Effective Exercises for Aviation Crisis Management – International Air Transportation      Association (IATA)
  •   Gestão e Auditoria em Sistemas de Qualidade – Centro de Tecnologia Aeroespacial (CTA)
  • SMS - Safety Management Systems - International Air Transportation Association (IATA) e International Civil Aviation Organization (ICAO)
  •   Crisis Management and Hostage Negotiation– Federal Bureau of Investigation (FBI)
  •  Airline Emergency Planning and Response Management – International Air Transportation Association (IATA)
  • Transportation Disaster Response & Family Assistance – NTSB Academy – George Washington University

Maurício Pontes também fez parte da Delegação Observadora do Task Force 285 que elaborou o documento 9998 na 38ª Assembléia da ICAO. Desejamos à todos vocês uma ótima leitura!

Utilizamos a Legenda:
EASAC: Equipe Segurança da Aviação Civil




EASAC: Qual a legislação que norteia o Gerenciamento da Crise e Plano de Assistência Familiar no caso do acidente do voo MH370?

Maurício Pontes: Não tenho conhecimento de qualquer legislação específica relacionada à assistência a vítimas de acidentes aéreos na Malásia, o Estado de matrícula e origem da Aeronave. Entretanto, na China, o país de destino, há uma norma com esse foco (CCAR-399). Para efeito de responsabilidade civil, chegamos  sem qualquer conflito à Convenção de Montreal, aplicável a voos comerciais internacionais, como era o caso. Mas há que se ter em conta que as ações exercidas pela empresa até o momento dizem respeito à uma “melhor prática” irreversível na aviação internacional, a de nos limites factíveis tentar prestar toda a assistência possível e da maneira mais digna aos familiares. Como uma empresa membro de uma forte aliança (One World) os requisitos formais para garantir a assistência  são estritos, assim como os requisitos de qualidade IOSA (IATA Operational Safety Audit), certificação que aborda entre outros assuntos o gerenciamento de crises e resposta a emergências. Podemos observar que muito do que vimos acontecer lembra o padrão de assistência da lei norte-americana (Family Act), embora não fosse legalmente aplicável.



EASAC: Antes da descoberta dos destroços da aeronave, como você via o gerenciamento desta crise (o desparecimento do voo MH370) por parte da empresa aérea e das autoridades?

Maurício Pontes: Sou muito prudente com relação à forma de se analisar uma crise, ainda mais quando ela está em pleno andamento. Mesmo quem está diretamente envolvido, ainda não é capaz de fazer uma análise concreta sobre os acontecimentos ou de visualizar a crise em sua integridade. É como dois soldados na mesma batalha, em locais diferentes:  cada um tem uma visão distinta sobre os fatos. Mas pelo que tenho acompanhado e pela interlocução com colegas de variados países é possível afirmar que a empresa está sendo cautelosa em relação ao seu website, onde tem colocado todas as informações disponíveis pelo menos uma vez por dia desde a confirmação do desaparecimento da aeronave. Vemos ainda que familiares têm sido acomodados em hotéis em Pequim e Kuala Lumpur, que há voluntários treinados e suporte psicológico, além de linhas telefônicas específicas para famílias, imprensa, etc. Um ponto sempre discutível é a tempestividade da informação aos familiares e ao publico: alguns observadores entendem que a empresa teria demorado a informar publicamente o evento. Em minha opinião, numa situação como esta, você precisa descartar uma série de possibilidades até confirmar que realmente trata-se de uma crise. É o velho dilema, velocidade ou qualidade na informação. Acredito que uma precipitação por parte da Malaysia teria obstruído sua capacidade de gerenciar e não traria ganho efetivo.



     EASAC: Em relação aos familiares, haveria algo mais a ser feito ou divulgado?

Maurício Pontes: Ainda sobre a questão anterior, em 24/03 dizia-se que alguns familiares teriam sido avisados sobre o desfecho fatal por SMS. Essa notícia ganhou vulto na mídia internacional como símbolo de uma assistência desumana. Como essa informação foi recebida por  via da imprensa e passou por vários intermediários, acredito que não reflita com precisão o que ocorreu. Li artigos lúcidos no Washington Post e outros veículos sobre o que teria sido uma comunicação em SMS específica para um grupo de pessoas relativamente inacessíveis, para que não recebessem a notícia pela TV, uma vez que já se sabia que o Primeiro Ministro malaio estava prestes a entrar no ar com a informação de que não havia sobreviventes. Não há certo ou errado em crises, nem fórmulas mágicas. O fato é que o advento das redes sociais, tecnologias de comunicação como SMS e a quase onipresença de informações trazem questões nunca contempladas por qualquer legislação. A observação do que está sendo feito neste caso trará importantes lições.



    EASAC: Quais serão as próximas ações tomadas pela equipe de Gerenciamento de Crise e Assistência familiar da empresa Malasya Airlines?  

Maurício Pontes: A partir do momento em que se torna oficial a confirmação do acidente, a busca pelo atestado de morte presumida e o início do processo de indenizações é viabilizado. Enquanto perduram as buscas, no momento centradas no Oceano Índico Sul, a demanda emocional e a incerteza ainda justificam a permanência das famílias longe de seus lares. É extremamente improvável que se resgatem despojos, mas o que se busca é algo para fechar o ciclo, talvez uma cerimônia no mar. A assistência médica, psicológica e espiritual é contínua, assim como a atualização de informações diretamente nos centros onde há famílias e nos canais da empresa. Uma coisa que me chamou atenção foi o fato da Malaysia ter optado por colocar o dark site em grande destaque na sua homepage, ainda maior após a confirmação.



EASAC: Esse caso do acidente do voo MH370 é o primeiro grande acidente      ocorrido após a aprovação do DOC 9998 pela assembléia da ICAO em 2013, em relação à Política para Assistência às Vítimas de Acidentes Aéreos e Familiares. Já é possível identificar alguma influência deste documento?  

Maurício Pontes: Não diretamente. Mas a nova política da ICAO ganha relevância a partir de uma tragédia como essa e serve como um guia a Estados sem norma aplicável. A Política é um embrião para a publicação de um futuro “standard”, ou seja, para que um Anexo Técnico à Convenção de Aviação Civil Internacional contemple como mandatórios os requisitos de assistência humanitária pós-acidente. Naturalmente, até em função dos problemas enfrentados nessa longa busca, o drama dos familiares acabará dirigindo os olhares para este documento.



EASAC: Que lições as empresas aéreas no mundo e mais especificamente no  Brasil podem tirar do acidente do MH370 no que se refere à gerenciamento de crise e assistência familiar?

Maurício Pontes: Recentemente o Departamento de Transportes dos Estados Unidos multou a Asiana Airlines por ter prestado uma assistência considerada por esse órgão como aquém das expectativas descritas no plano da empresa. Esta penalidade foi uma mensagem a todas as empresas aéreas que voam para os Estados Unidos, no sentido de assegurarem “de fato” o que já protocolaram “de direito”. Aquele ato de uma autoridade americana, inédito desde a publicação do Family Act, foi uma lição para que as empresas tenham em mente que os recursos previstos para serem usados em uma crise devem refletir a realidade nos piores cenários. A despeito de fusos, línguas, diferenças culturais e distância, o operador deve assegurar que tem capacidade de endereçar as necessidades dos familiares e sobreviventes de maneira tempestiva. Quantas empresas têm realmente pessoal treinado e dedicado para o gerenciamento de crises, das cotidianas às catastróficas? E não me refiro aos voluntários, mas a uma equipe especializada e de pronta resposta, que se dedique ao planejamento e resposta a eventos críticos. Mas no caso do MH370 talvez a maior lição seja para as autoridades. O desencontro de informações, a quantidade de países envolvidos, aspectos geopolíticos  e a dificuldade de composição de um comando unificado têm gerado imensos problemas, chegando a provocar uma ameaça de greve de fome por parte de uma parcela dos familiares. O nome do jogo é interação e humanidade. Diferentes órgãos, Estados e autoridades precisam ajustar suas condutas para atender ao objetivo de aliviar o sofrimento dos envolvidos.



EASAC: Como você viu a atuação da imprensa internacional e no Brasil, no acidente do MH370?

Maurício Pontes: Um avião desaparecido por tanto tempo, informações desencontradas por parte de autoridades e tanta incerteza são terreno fértil para as mais variadas teorias. A cada dia a imprensa evoluía em uma história diferente, sempre apoiada por pessoas que se auto intitulam especialistas. Fomos da história dos dois passageiros iranianos com passaportes falsos até a suspeita sobre a tripulação por conta de um tripulante ter um simulador em casa. Todos querem solucionar o mistério. A imprensa internacional fez uma cobertura interessada,  tempestiva, mas sempre em busca dos chamados “smoking guns”. A CNN cravou manchetes online dignas de registro. A proliferação de pseudo especialistas parece ter irritado até a própria mídia, pois cheguei a ler artigos críticos quanto a uma “indústria” de especialistas. No Brasil, a busca por assunto fez a imprensa descobrir em pleno 2014 que um cargueiro da VARIG desapareceu no Oceano Pacífico em 1979. Bem, a expectativa sobre a cobertura da imprensa a eventos técnicos que envolvem dramas humanos é sempre a pior possível, se baseada na experiência dos eventos anteriores. As primeiras imagens da invasão de repórteres em direção aos familiares nos aeroportos foi uma cena muito triste. Desta vez, a despeito de alguma cautela, as versões invadiram a reputação de pessoas sem qualquer critério e nada concreto chegou a ser transmitido, exemplo é o caso que mencionei dos SMS. E ainda estamos tanto no campo das especulações que ainda nem se fala a sério numa investigação técnica. Ainda há muito a ver nesse triste episódio.



Andréa Salgado

Equipe Segurança da Aviação Civil


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